I
Estive à espera deste texto.
Não uma mensagem de texto, não uma prosa,
Mas uma poesia, sabia que viria
E chegaria no mais inconveniente momento
Possível
II
Estou à espera desse texto.
Há dez horas que sento quadrada num autocarro
Livre dos meus pés e cabeça que ficaram
A rolar pela estrada
Pouca coisa faz-me amar esta terra
Mais que ver o verde e os olivais
Quando Portugal passa na estrada ao meu lado
Ou passo eu
Eu sou a escritora do meu tempo perdido
A ditar à maniera todos os livros que comi
Antes desta vida e durante a que agora
Corre depressa
Dizem que graciosidade, que delicadeza
Não conhecem o terrível destino da poeta
Retirar cuidadosamente palavras da garganta
Uma por uma sem rasgar
A dissolver um dicionário que só cresce em
Questão e etimologia
Desejo e vício de palavras más
Durante toda uma vida ou sete
A primeira em latim,
Quatro em português,
Uma em galego,
Uma em tupi
III
Da mesma forma em que me chamam Victoria
Pelo pressuposto frágil da minha recém-existência
Da mesma forma me poderiam chamar Eva
Pelo dicionário com gosto de maçã que levo atravessado na garganta
Da mesma forma me poderiam chamar Joana
Porque estou disposta a dar sangue por estas palavras
Escrevo com fluído se for preciso,
Heresia seria calar
IV
Gostava de ter escrito versos de Hilst,
Precisamente sobre o ofício de poeta
Ou escreveria-lhe antes uma carta em que dizia
Antes de mulher
Tu és uma faca
Gata-brava
Não domesticada
Se me puserem numa caixa
Iluminarei as bordas com fogo
Até vê-las cair por terra
Antes de encontrar forma de dormir dentro dela
Mas se me queres ler,
Enfim,
Se me queres ler verdadeiramente,
Tenta-me de novo, obriga-me
V
Sussurrar poesia nas bordas da pele
Arrepia esta noite: já quase verão
Não há nada mais (con)sensual
Que jogar as cartas com as palavras
Eu sempre perco
Mas ganho quando elas ganham de ti