Produção Textual

a língua não é uma lei, a língua é uma dança

 

 

Tive um sonho e quase não me recordo,
se era sobre um pinguim ou um cogumelo ou um sobrenome,
Cascata, chamava-se o pinguim mas dei-lhe corda e não rodava
Dei-lhe corda e estava partido
Dei-lhe corda e ele devolveu-a, formato formado de corda rota
Em forma de metros de medo.
Por que tenho de ter pesadelos deste tipo?
Não bastasse a fragilidade do existir na estrada,
onde não há nada,
quase nada,
além de você para mim e nós os dois.
A estrada cinza.
As cinzas dos que antes estavam e sucumbiram, e
As cinzas que me lembram do medo de estar aqui,
Incongruente medo maior do que o medo de já não estar aqui e deixar-te.
Sei que morrerias.
Mas só por esta noite,
Só por uma noite gelada e depois da neve e antes do sol assolador,
Bailamos em estonteante desespero a vida que resta nas águas,
Tão fria que quase esqueço do desassossego de estar aqui,
Os seixos e os cristais e os quartzos que antes colecionei para que me trouxessem
Amor,
És tu,
O único agora, ontem-hoje, até amanhã.

Aprendo todos os dias ou horas,
Talvez já não encontre motivo nessa conta,
Aqui e agora onde não há nada
Mas ainda há a Cascata, real ou plástico sem corda
Toma da minha mão molhada esse cogumelo,
Da natureza feito para ti
Para que te distraias
Para que não te desfaças em desgosto
Para que ainda vejas o cordão que te acopla a esta eterna Mãe maltratada
Ela está enraivecida mesmo quando a culpa não é minha ou tua, papai.
Já não importa,
Pagamos e ainda falta pagar,
A esta ganância pagar-se-á com a vida,
Cada uma das vidas na estrada empoeirada de cobiça

Fomos longe demais,
Estamos longe demais,
Mas hoje temos a cascata e o rio e os seixos e pantorras e amor,
Amanhã teremos duas balas.