Produção Textual

a língua não é uma lei, a língua é uma dança

 

 

 

Poema da Autossabotagem

 

consideração sobre a magia negra do mundo

 

 

Sábado
Talvez deva começar
Assim:
O poema da autossabotagem
Dois pontos:
Faço eu como fazem os homens
Aprendi com eles
Escrevemos e reescrevemos
Uma palavra em cima da mesma
Sem apagar,
Na mesmíssima linha repetida
Até furar o papel e quebrar o lápis
Como um poema
Uma fera estúpida:
A vida
É tentar morrer e matar
Até que um dia
Finalmente,
Logras.

Nos últimos anos
Tamanho empenho,
Digerimos animais complexos
Alguém teve de pôr mão ao fogo
(Naquela primeira vez à luz da sombra)
Para saber que
Não convém

A guerra,
De nada será útil
Mas seguiremos tentando,
Digo,
Guerreando
Uma bala por cima da outra
Até perfurar o mesmo corpo que não respira
Até adoçar a mesma boca jovem que não perde por esperar
Nem vai: logrou

Domingo
8:53
Uma declaração:
fá-la-ei inclinada
à mais bela língua que me foi
co-lo-ni-za-da
a matriarca está morta,
já nem sei quem era.
Vi um artista cubano
cravar bandeiras de outrem em seu peito
sanguessugas de prepotência humana
não podes escolher quem és,
alguém escolheu por ti

Segunda
Em algum dia efêmero
Será necessário
Comprar
O Sol.
Na transitoriedade do meu caminho
A cada dia há mais
sinais
do alto capital:
Não entre!
Propriedade privada
A rua é privada,
A praia do Portal,
O Eucalipto,
Eu.
Forçada a acatar sistema
Que mata aos meus,
Mata-me a mim,
Todos os dias,
Mais um dia,
de chuva

Terça
Casaram-se ao som das
Sirenas de Kiev.
Já poderiam ser sirenas en español,
Mas eram sirenes de guerra
E medo
E dor
E amor,
espero;
bem lá no fundo,
ganha

Quarta
Tinha ela uma coroa de flores do seu país,
A coroa de flor
do meu país
É a cor do sol

Quinta
O brilho de suor na pele
O contacto das peles
A dança da ultraviolência
É um quase-amor

Sexta
Em que preciso momento
Na manifestação da magia negra do mundo
A bandeira branca
tornou-se redentiva?
A certa altura já não há respostas
Apenas perguntas,
Por isso a cada dia mais
Agrada-me a filosofia

Por onde olho, vejo
Bandeiras vermelhas
Em placas privadas
Em homens privados
Compaixão privada
Um por si
E ele mesmo
E eu mesma
E você mesmo
Só.