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514 Palavras difíceis ou 1 Semana de Guerra em Útero

 

o  corpo desencontrado

 

 

 

Domingo
Não se pode escrever uma semana em mil palavras.
Uma semana é, ao menos, composta de 7000 palavras,
No álacre caso duma mente
Menos atribulada do que a minha.
Mesmo quando estou na escuridão,
Eu acredito na luz.
Eu nunca fui um homem.
Mas a desgraça dO Natural, do material,
Faz do brado retumbante ideológico servo da binariedade.
Os meus gritos quase psicóticos parecem não valer nada mais que
O grosseiro corpo que me foi atribuído. Máquina defeituosa
De nascença,
Marca toda a inconsistência da minha presença
Em meio descontente.
Há um som.
Habita um som permanente mutante nesse espaço exterior cheio,
Bebe-me, afoga-me,
Na tua imaculada incoerência.
O único jeito de sair é entrar.
Se o meu corpo fosse ferro fumaria-o todo,
carbonizaria-o,
assim do pó poderia fazer nascer algo novo.
O corpo novo que me completa,
com dor, com trauma e útero,
Uma fénix nada mais é que uma mulher.
Quimera, medonha, Medusa e ainda
A tão sonhada noiva de Pigmaleão,
A dicotomía habita-me,
Desenha a linha tênue,
Entre masculino,
Feminino,
O dois em um: nenhum
O meu corpo
(Esse corpo)
É água.
Demasiado mole para carbonizar.
Não se pode fumar água,
bebe-se, afoga-se nela
transforma-se nela,
como éramos antes do primeiro dia de luz.


Segunda
Ontem passei
O dia entre doentes num hospital tenebroso
Refleti sobre a minha doença e a deles
A deles letal
A minha de não encaixar em lado algum


Terça
As bruxas, como os fumantes, se reconhecem.
No outro dia,
Uma mulher pediu-me fogo,
Ou um feitiço,
Se bem me lembro,
Não que haja muita diferença
Quando o importante é que
Ela usou os pronomes certos


Quarta
Padeço há 4 dias
De qualquer coisa que assusta-me o corpo
esfomea-me a alma,
Esse país faz-me notar todo dia
Que por mais que leve a vida com esta língua na boca
Jamais terei ideia alguma do que faço com ela.
Por mais que leve a vida toda com esse corpo na boca,
Espero não carregá-lo para o resto dos meus dias,
Porque pesa,
Pesa,
Como o pecado de Sísifo,
Pesa,
O crime que não tive o prazer de cometer


Quinta
Mato este corpo como um homem
Dou a luz a outro como uma mulher
O meu próprio
Mãe de mim mesma: útero
Que nunca terei e sempre tive
Os homens talvez façam guerra
E as mulheres, às vezes, amor

Como nunca tive disposição para batalhar ego, é natural unir-me ao sagrado
"Deus"
É uma mulher
Mãe,
Filha,
Espírita Santa
Será possível ter
Guerra
E mulheres em maioria parlamentar?


Sexta
A poesia não rima quando
A noção é pouca,
A sabedoria é pouca,
A amor(a) é pouca e
Muita flexibilidade há.
Linguística,
Compassiva,
Interpessoal.
Erramos,
Na troca ingrata do amor pelo papel simbólico,
No símbolo entramos
No símbolo perdemos
O que já não nessa vida
Encontrar-se-á


Sábado
Finalmente é perceptível,
Uma migalha de clareza mental me consome desde dentro,
É possível escrever uma semana em mil palavras poéticas,
É possível escrevê-la em uma,
Em nenhuma,
E até mesmo é possível escrevê-la em exatas
514 palavras difíceis.